MÚSICA-LÍBANO: Hip hop inspira palestinos

Nahr Al BAred, Líbano, 08/01/2010 – O hip hop ecoa nas ruas barrentas e sem iluminação deste destruído acampamento para refugiados palestinos. As rimas são valentes e refletem a vida neste lugar. “Carrego preocupaçoes/Dentro de um acampamento destruído/Estou preparando um ataque/As palavras seguem girando em minha cabeça/Nahr al Bared está cercado por barras de ferro/Nos jornais falam de sofrimento/Cada palavra tem sentido”, diz uma das canções. Farhan Abu Siyam, de 21 anos, é o primeiro e único rapper de Nahr al Barede, sob o pseudônimo de MC Tamarrod (isto é, MC Rebelião). Cresceu nos acampamentos para refugiados de Nahr al Bared e bourj al Barajeneh. Siyam sabe que o hip hop tem poucos seguidores na sociedade palestina. “Muitas pessoas não gostam porque são contra a música ocidental e seus elementos, como o ritmo”, disse. Mas, pede aos seus compatriotas que deem uma oportunidade ao rap, destacando que não cantam em idioma estrangeiro, mas em árabe. “Canto em nosso dialeto palestino, no idioma dos acampamentos onde nasci e cresci”, afirmou.

Siyam disse se inspirar nos grupos I-Voice e KAtibe 5, do acampamento de Bourj al-Barajneh, de Beirute, e em grupos como RAmallah Underground ou DAM, considerado fundadores do hip hop palestino e com letras mais comprometidas. Os rappers palestinos, em geral, não se afastam de suas origens, destacam sua situação de marginalização e opressão e usam suas palavras como armas nas lutas políticas e sociais de seu povo.

Os grupos atacam com suas rimas a discriminação sofrida por cerca de 250 mil refugiados palestinos no Líbano e a rejeição que também sofrem por parte de sua própria sociedade. Além disso, acusam organizações não-governamentais e partidos políticos de serem corruptos e traírem a causa de sua nação. Siyam produziu um curto vídeo clip com ajuda do grupo coletivo de mídia autônoma “a-films”. Diante de uma parede cheia de buracos de bala em um prédio destruído, lembra a devastadora guerra de 2007: “Me perguntas o que aconteceu?/Os que golpearam fugiram/Os que passaram saquearam/E alguns deles incendiaram”.

Há dois anos e meio, o acampamento de Nahr al Bared, norte do Líbano, foi destruído completamente pelas forças armadas libanesas FAL e pelo grupo armado islâmico Fatah al Islam. Dois terços dos ex-moradores agora vivem em seus arredores, em casas destruídas ou cabanas. Siyam diz que muitas pessoas cantam o falam sobre Nahr al Bared, “mas ninguém se refere à guerra, à falta de esperança e à opressão”.

O acampamento ainda está cercado e é considerado zona militar pela FAL, que instalou cinco postos de vigilância. O acesso é restrito e os jornalistas não podem trabalhar livremente. “Estamos cercados e vivemos como em uma prisão. Em outros acampamentos as pessoas podem ir e vir normalmente”, disse Siyam. A presença das FAL é um dos principais temas do rapper: “Sou palestino e não me rendo ao império de seu exécito/Deixem de construir este muro/Desde a primeira vez que os vi soube o que queriam/Ei, você, mostre sua identificação, onde está sua permissão?”.

O exercito libanês diz que os postos de controle e as permissões são necessários para preservar a segurança das pessoas “impedindo a infiltração de terroristas e pessoas procuradas, contrabandistas de armas, explosivos e material ilegal”. Mas, muitos refugiados se sentem humilhados e oprimidos pela FAL. Abu Wissam Gharib, líder no acampamento da Frente Popular para a Libertação da Palestina, disse entender que é preciso um exército para a guerra. “Mas, uma vez a guerra acabada, para que permanece o exercito?”, pergunta. Gharib também questiona a exigência de autorização especial para regressar a Nahr al Bared quando pode viajar a qualquer parte do Líbano com seu documento de identidade.

Siyam grava suas musicas no estúdio de al-Mukhayyamat, no acampamento para refugiados de Bourj al Barajneh, nos subúrbios de Beirute. Ele tem consciência do poder de suas letras. “Não estamos contra o sistema libanês, mas nos privam de nossos direitos”, afirmou. Os jovens palestinos não têm futuro no Líbano e veem a emigração como uma saída. Quando uma delegação de países doadores visitou o acampamento recentemente, os residentes das moradias temporárias não pediram mais ajuda, mas vistos para emigrar. Em Nahr al Bared, a lenta reconstrução e a contínua presença das FAL contribuem para o desemprego.

Charlie Higgins, administrador de projetos para a reconstrução de Nahr al Bared da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, disse que a situação no acampamento está “difícil”, pois a economia não melhorou desde a guerra. Siyam espera que, se Nahr al Bared for reconstruída, tenha um estúdio de gravação próximo, para não precisar viajar até Beirute para suas gravações. (IPS/Envolverde)

Ray Smith

Ray Smith is a freelance journalist based in Switzerland. Most of his writing is from the Middle East, where he sporadically lives or visits. From Switzerland, Smith reports on migrants' issues, environmental topics and other social or political subjects.

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