SUÍÇA: Xenofobia contra minaretes

Berna, 30/10/2009 – A comunidade muçulmana da Suíça sofre nova campanha xenófoba a menos de um mês do plebiscito sobre uma reforma constitucional para proibir a construção de minaretes. A iniciativa “contra a construção de minaretes” foi apresentada no ano passado por um comitê de políticos do Partido Popular Suíço (SVP, ultradireita) e pela conservadora União Democrática Federal (EDU). O SVP tem 58 cadeiras no Conselho Nacional (câmara alta da Assembleia Federal Legislativa) de 200 membros, enquanto a EDU tem apenas uma.

O comitê argumenta que os minaretes constituem um “símbolo de aspirações de poder político-religiosas” e uma mostra da “horripilante islamização da Suíça”. Minarete é a elevada, cilíndrica e quase sempre fina torre das mesquitas, de onde o almuadem, ou muezim, convoca os crentes muçulmanos para a oração. Conscientes do mal-estar que esta iniciativa pode provocar nos muçulmanos de todo o mundo, o Conselho Federal, Poder Executivo na Suíça, pediu aos eleitores que rejeitem essa emenda constitucional. Neste país vivem cerca de 350 mil muçulmanos, aproximadamente 5% da população total.

Nos últimos 50 anos, a comunidade islâmica habilitou mais de 150 templos, a maioria em casas, garagens o áreas industriais. Mas há apenas quatro minaretes na Suíça e a construção de um novo está paralisada por uma disputa legal na cidade de Langenthal, no norte do cantão de Berna. A tensão aumenta na medida em que se aproxima a consulta popular de 29 de novembro. Um cartaz mostra uma mulher vestindo burca negra (roupa tradicional que cobre o corpo dos pés à cabeça) diante da bandeira suíça, atravessada por sete minaretes da mesma cor, que se assemelham a mísseis, e a legenda: “Basta. Sim à proibição dos minaretes”.

Hisham Maizar, presidente da Federação de Organizações Islâmicas da Suíça, que reúne metade dos centros muçulmanos do país, questionou o argumento de que “os minaretes se propagarão como fungos”. A reforma consiste em incorporar uma única frase à Constituição: “A construção de minaretes está proibida”. Mas, para os opositores. Não se trata disso apenas disso. “A intenção não é proibir que se construa uns poucos minaretes na Suíça”, disse Balthasar Glättli, secretário-geral da Solidariedade sem Fronteiras, que defende os direitos dos imigrantes. “É óbvio que a campanha busca infundir medo quanto ao Islã e preconceitos contra as pessoas originárias de países muçulmanos”.

O Conselho Suíço das Religiões, órgão nacional integrado por judeus, cristãos e muçulmanos, rejeita a reforma constitucional. Maizar, médico suíço de origem palestina e um dos muçulmanos mais influentes do país, é um e seus fundadores. Para ele, os organizadores da campanha usam os minaretes para promover um debate sobre o Islã. “Sua falta de argumentos se expressa na forma com que estereotipam. Alegam que os minaretes representam a shariá (lei islâmica), a islamização e as burcas. Mas isso não reflete em nada na comunidade muçulmana da Suíça. Não lembro quando foi a última vez que vi uma mulher com essa vestimenta neste país”, afirmou.

Não é a primeira vez que nos últimos anos há campanas extremistas na Suíça. Em 2002, a população aprovou uma lei para deter o “abuso de asilo”. Um cartaz da época mostrava um homem negro, com óculos, luvas e roupa da mesma cor, saindo da bandeira suíça rasgando-a. Entre 2007 e 2008 o SVP organizou a coleta de assinaturas ara pedir a deportação de criminosos estrangeiros. Nessa ocasião a propaganda mostrava uma ovelha branca pisoteando uma negra fora da bandeira nacional.

“A iniciativa tem continuidade em relação ao conteúdo e se insere em uma tradição de campanhas populistas de direita na Suíça”, afirmou Damir Skenderovic, professor de história contemporânea da Universidade de Friburgo, perto da capital. “Mas o enfoque atual em um setor específico da população é notável. As campanhas e os plebiscitos vinculados à imigração na década de 90 eram de caráter geral. Se concentravam nos ‘estrangeiros’ e ‘nos outros’, e principalmente visavam os que solicitavam asilo”, disse Skenderovic à IPS.

“Agora, concentram-se em um setor específico: os imigrantes muçulmanos”, acrescentou Skenderovic, que tem vários estudos publicados sobre racismo, extremismo de direita e políticas migratórias na Suíça, e situa a origem desse discurso de direita nos últimos anos da década de 80. “Naqueles anos, grupos como Vigilância, Alao Nacional e União Democrática Federal esgrimiam a ameaça de uma suposta islamização, o avanço do Islã no Ocidente cristão”, afirmou. O atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington “reforçou esse discurso, mas o fenômeno em si mesmo tem uma tradição anterior”, acrescentou. A adoção de uma plataforma xenófoba foi chave para o crescimento do SVP nas duas últimas décadas. Em nível nacional, o partido tratou de absorver todas as forças de direita do espectro político. Nas eleições federais de 2007, o partido Democratas Suíços, de extrema direita, perdeu a última cadeira que lhe restava no Conselho Nacional para o SVP, que conseguiu 29% dos votos. Como em muitos países europeus, aqui se diz que os muçulmanos não podem se integrar. Os debates mais acalorados surgem porque as mulheres suam véu, pela negativa de alguns pais em permitir que as filhas pratiquem natação na escola e o conceito geral da mulher dentro do Islã.

“As comunidades muçulmanas são muito diversas. É um absurdo agrupá-las como fazem os populistas”, disse Maizar. A concepção hostil em relação ao Islã na Suíça “se cultiva independente da quantidade de muçulmanos que há no país”, segundo Glättli, da Solidariedade sem Fronteiras. Valentina Smajli é uma muçulmana originária de Kosovo, território sérvio que se proclamou Estado independente em 2008. No coração católico da Suíça onde vive, é uma integrante ativa do Partido Socialista e trabalha em vários projetos políticos sobre migrações. Como ela, “muitos imigrantes de países islâmicos são indiferentes à religião e não se definem em função dela. Mas, às vezes, são vítimas de preconceitos disfarçados ou declarados” contra o Islã.

“Os muçulmanos da Suíça são vítimas de manchetes na imprensa de generalizações negativas” concordou And Geu, um dos diretores do Instituto para Criar uma Coalizão Nacional (NCBI), dedicado à luta contra os preconceitos, a discriminação racial e a violência. O NCBI organiza uma campanha de informação sobre o Islã e contra a reforma constitucional. Os governos da cidade de Basiléia e de Lausane decidiram proibir a propaganda xenófoba.

Várias cidades e cantões pediram assessoramento à Comissão Federal contra o Racismo. O órgão considerou que os cartazes reforçavam os preconceitos contra o Islã e os considerou negativos e uma potencial ameaça. Porém, Maizar não concorda. “Estou contra as proibições e defendo a liberdade de expressão. Mas, também me oponho a que se cruze as linhas vermelhas de nossa democracia desta forma e a que um setor da população, como os muçulmanos, seja atacado de forma ímpia”, acrescentou. IPS/Envolverde

Ray Smith

Ray Smith is a freelance journalist based in Switzerland. Most of his writing is from the Middle East, where he sporadically lives or visits. From Switzerland, Smith reports on migrants' issues, environmental topics and other social or political subjects.

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