Impeachment, outra batalha no Brasil

Um grupo de manifestantes contra o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, diante das sedes da Câmara dos Deputados e do Senado, na noite do dia 27 deste mês. Foto: Lula Marques/Agência PT

Um grupo de manifestantes contra o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, diante das sedes da Câmara dos Deputados e do Senado, na noite do dia 27 deste mês. Foto: Lula Marques/Agência PT

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 29/4/2016 – Qualificar como golpe de Estado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff provavelmente não evitará sua destituição, mas poderá assegurar aos seus defensores uma versão mobilizadora da derrota.“É importante para aglutinar a minoria que apoia o governo, outros que temem que venha uma gestão conservadora e os que se preocupam em manter o regime democrático”, resumiu à IPS Fernando Lattman-Weltman, professor de política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“Além de mobilizar setores da sociedade, principalmente os organizados, e conquistar apoios também no exterior, reduz a margem de manobra dos possíveis vencedores, colocando uma sombra sobre a legitimidade do futuro governo”, destacou Lattman-Weltman. “A batalha do impeachment está quase perdida”, admitiu o professor, que considera de fato golpista o movimento opositor que ganhou força desde os protestos de 13 de março, que mobilizaram mais de três milhões de pessoas, segundo a polícia, nas ruas de centenas de cidades.

No dia 17 deste mês, a Câmara dos Deputados acolheu o pedido de abertura do processo de impeachment apresentado por três advogados. Durante 2015, acumularam-se mais de 30 propostas com o mesmo objetivo, refletindo a queda vertical da popularidade da presidente, que iniciou seu mandato em 2011 e foi reeleita em outubro de 2014.Uma ampla maioria de 367 deputados, 71,5% do total, aprovou a abertura do julgamento político, confirmando o isolamento político de Dilma, cujo apoio parlamentar se limitou a 137 votos. Só o PT e outras três pequenas forças lhe foram fiéis. A Câmara tem 513 deputados de 25 partidos.

Agora está no Senado o destino da primeira mulher a ocupar a Presidência deste país de 204 milhões de habitantes. Dentro de duas semanas, os 81 senadores, com base nos informes do processo, decidirão se consideram existir razões suficientes para julgar a presidente.Em caso positivo, abrirão o julgamento que poderá se prolongar por até 180 dias, com Dilma afastada de suas funções. A decisão final exige maioria de dois terços, um mínimo de 54 votos, para aprovação do impeachment. Isso ocorrendo, a presidente seria destituída e ficaria inabilitada para ocupar cargos públicos por oito anos.

“Não haverá golpe” é o lema com que os ativistas defendem a presidente, protagonizando outras manifestações de massa, engrossadas por sindicatos, movimentos sociais e muitos que atuam “em defesa da democracia”, não do governo.Uma “nova campanha da legalidade”, cujo título recorda um movimento que impediu um golpe militar em 1961, divulga um manifesto nesse sentido, assinado por mais de oito mil intelectuais, na maioria advogados, juristas e professores de direito.

A insistência com que Dilma e o PT denunciam a “tentativa de golpe” obrigou pelo menos quatro dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal (STF) a refutar a tese oficialista, observando que o impeachment presidencial está previsto na Constituição.Trata-se de um mecanismo constitucional estabelecido para casos excepcionais de “crimes de responsabilidade” que justifiquem a destituição do chefe do Poder Executivo, explicou Oscar Vilhena, professor de direito da Fundação Getulio Vargas, instituição de ensino superior e pesquisa de São Paulo.

“A Constituição vigente, de 1988, inclusive protege mais o presidente do que a de 1946”, recordou Vilhena à IPS, porque a anterior lei fundamental de períodos democráticos só exigia maioria absoluta dos parlamentares para destituir o chefe de governo ou de Estado.Ao fixar dois terços como mínimo necessário para acolher uma denúncia com esse objetivo, na Câmara dos Deputados e para proceder à destituição no Senado, a atual Constituição assegura estabilidade ao governo, um propósito do presidencialismo, que tolera ineficiências e impopularidades conjunturais ou perda de apoio parlamentar.

A presidente Dilma Rousseff, sentada ao centro, com uma flor na mão que lhe foi entregue durante a abertura da Conferência Nacional de Direitos Humanos, no dia 27 deste mês, em Brasília. Nos atos da presidente nos últimos dias se repetem os gestos de carinho com tom de despedida. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidente Dilma Rousseff, sentada ao centro, com uma flor na mão que lhe foi entregue durante a abertura da Conferência Nacional de Direitos Humanos, no dia 27 deste mês, em Brasília. Nos atos da presidente nos últimos dias se repetem os gestos de carinho com tom de despedida. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

“Trata-se de um instrumento jurídico-político regulado, metódico, com muitas travas”, que assegura ampla defesa e debate durante vários meses, acrescentou Vilhena.O procedimento se distingue da destituição do presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012, por meio de um julgamento parlamentar que durou apenas dois dias, o que levou o Paraguai a ser suspenso do Mercosul pelos demais sócios – Argentina, Brasil e Uruguai –, por violação da cláusula democrática do bloco.

“O impeachment é sobretudo político, já que seus juízes são parlamentares e julgam crimes de natureza política em seu mérito”, pontuou Vilhena. Se o governante é acusado de “infrações penais comuns”, é julgado pelo STF, conforme diferencia a Constituição.São processos distintos. O ex-presidente Fernando Collor (1990-1992), único caso até agora de destituição de um mandatário, foi condenado pelo Senado e inabilitado politicamente, mas acabou absolvido pelo STF. Isso porque uma mentira pode ser politicamente relevante e levar à destituição, mas não à prisão.

Os “crimes de responsabilidade”, segundo a Constituição, são atos presidenciais danosos à nação e à democracia, como os que “atentam contra o livre exercício” dos demais poderes, a segurança do país e os “direitos políticos, individuais e sociais”.No caso atual, os atos da presidente que justificariam o impeachment, segundo as denúncias acolhidas, seriam os de violar “a probidade da administração” e a “lei orçamentária”, razões constitucionais para o impeachment.

Os crimes concretos seriam a assinatura de decretos ampliando gastos públicos sem autorização parlamentar e o uso de créditos de bancos estatais para ocultar déficit fiscal. A lei proíbe o governo de obter empréstimos de suas instituições creditícias.“As leis de 1950 e 2000 sobre responsabilidade fiscal são explícitas em vedar créditos de instituições financeiras aos seus próprios controladores. Dilma o fez em seu primeiro mandato e continuou fazendo em 2015, violando a lei”, apontou Vilhena.

“A Caixa Econômica Federal inclusive recorreu à justiça para cobrar os juros não pagos, fato que comprova se tratar de operação de crédito, não há dúvidas nos fundamentos jurídicos”,acrescentouVilhena.O caráter de empréstimo é negado pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em defesa da presidente.O fato de essas manobras, chamadas de “pedaladas fiscais” no debate público, terem sido comuns em gestões anteriores, outro argumento da defesa, não elimina o delito.

“Não se absolve assassinos porque os demais não são punidos, o que ocorre em 92% dos homicídios no Brasil”, argumentou o professor de direito. Além disso, as somas manejadas nas “pedaladas” do governo Dilma, são “desproporcionalmente mais elevadas” do que em casos anteriores, acrescentou. Entretanto, nenhum argumento parece capaz de dirimir a controvérsia, mesmo entre juristas, e provavelmente entre historiadores no futuro.

“Os fatos mencionados no processo de impeachment não configuram crimes de responsabilidade, portanto não existe a base jurídica necessária para o julgamento”, assegurou Lattman-Weltman, baseado em consultas a juristas. “Do ponto de vista político, o golpe é ainda mais evidente, porque a oposição não aceitou a derrota e tenta invalidar as eleições (de 2014) desde que seus resultados foram conhecidos. Querem um terceiro turno”, ressaltou.

“Ineficiências governamentais não são motivo para uma destituição em um regime presidencial, e trata-se de uma decisão extrema que não pode ser adotada por uma questão contábil, por regras que dependem de interpretações variáveis”, concluiu Lattman-Weltman, Envolverde/IPS

Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

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