O Elo Mais Fraco na Prevenção do VIH em África – a Contracepção

Esta é a primeira notícia de uma série de três partes sobre o VIH e a contracepção em África

NAIROBI, 14 de Agosto de 2014 (IPS) – Na ânsia de salvar bebés da infecção do VIH e cuidar das mães, os especialistas avisam que um elemento fundamental na prevenção do VIH está a ser descurado em África – os contraceptivos para as mulheres seropositivas.

Contudo, os contraceptivos são o segundo pilar da prevenção bem sucedida da transmissão do VIH da mãe para o filho (PMTCT), para impedir a infecção das mulheres e dos seus bebés, e ainda para cuidar daqueles que estão infectados.

“As necessidades de contraceptivos das mulheres seropositivas são muitas vezes colocadas em último lugar, dando-se maior atenção a manter as mulheres e os filhos saudáveis,” disse à IPS Florence Ngobeni-Allen, porta-voz da Fundação Elizabeth Glaser para a SIDA Pediátrica. Cidadã sul-africana que foi diagnosticada como portadora do VIH em 1996, perdeu um filho para a SIDA e agora tem dois filhos saudáveis.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), a contracepção é crucial na África Oriental e Austral, onde as elevadas taxas de prevalência do VIH se juntam às elevadas necessidades não satisfeitas de planeamento familiar, e onde oito em dez mulheres seropositivas se encontram na fase reprodutiva da sua vida.

Factos Breves sobre a Contracepção e o VIH

A maior parte dos métodos de contracepção hormonal modernos são seguros para as mulheres seropositivas.

Alguns métodos de contracepção hormonais não são recomendados para as mulheres em tratamento com ARVs devido ao potencial de interacção entre os medicamentos.

A inserção do DIU (dispositivo intra-uterino) não é recomendável para as mulheres com SIDA devido ao enfraquecimento do sistema imunitário.

Os espermicidas e diafragmas não são apropriados para as mulheres seropositivas.

Fonte: Organização Mundial de Saúde

 

Estudos sugerem que as mulheres que vivem com o VIH têm o mesmo, “se não maior, desejo de limitar o número de gravidezes quando comparadas às mulheres seronegativas”. O relatório das Nações Unidas “Mulheres Com Voz Alta” afirma que “é essencial reduzir as necessidades não satisfeitas de planeamento familiar destas mulheres para se atingir o alvo da redução de novas infecções de VIH nas crianças em 90 por cento.”

Inquéritos realizados a mulheres seropositivas no Quénia e no Malawi indicam que cerca de três quartos não querem ter mais filhos nos próximos dois anos ou nunca mais, mas a[enas um quarto usa contraceptivos modernos.

Debilidade dos programas de saúde

Um estudo realizado pela Saúde Familiar Internacional às mulheres seropositivas no Ruanda, Quénia e África do Sul indicou que mais de metade não tinha planeado a sua gravidez mais recente.

Embora as mulheres desejassem o planeamento familiar, o acesso a ele era difícil. Um obstáculo era o pessoal de saúde: não tinham recebido formação sobre as opções de contraceptivos para mulheres que viviam com o VIH; tinham uma concepção errada da segurança dos contraceptivos; a maior parte oferecia apenas preservativos masculinos, embora a maioria das mulheres preferisse implantes e injecções de longa duração; e muitos faziam juízos de valor sobre a vida sexual das mulheres.

“Às vezes as enfermeiras esquecem-se que as mulheres são seres sexuais quando descobrem que são seropositivas,” afirmou Ngobeni-Allen.

O Dr. John Ong’ech, Director Adjunto do Hospital Nacional Kenyatta, disse à IPS que as necessidades não satisfeitas de contraceptivos no Quénia são de 25 por cento em todo o país mas de 60 por cento entre as mulheres seropositivas.

O reduzido acesso ao planeamento familiar por parte das mulheres seropositivas, que são seis a oito vezes mais susceptíveis de morrer devido a complicações durante a gravidez em comparação com as mulheres seronegativas “constitui uma debilidade dos programas de saúde,” explicou à IPS, apesar de ser mais barato e mais eficaz fornecer os contraceptivos do que o PMTCT.

Maridos e sogras

Mary Naliaka, que trabalha no campo da SIDA pediátrica no Ministério da Saúde do Quénia, disse à IPS que o planeamento familiar deve fazer parte do pacote de tratamento do VIH e oferecer uma variedade de opções contraceptivas.

Mas nos sistemas de saúde da África Oriental e Austral muitas vezes esgotam-se os stocks e muitas clínicas têm falta de infra-estruturas adequadas.

“Para se inserir um dispositivo intra-uterino é necessário um ambiente estéril,” explicou Ong’ech.

A injecção é o método mais popular porque as mulheres podem usá-la sem dizer nada ao marido, acrescentou.

As relações do género desiguais e um fraco poder negocial influenciam a utilização de contraceptivos. Naliaka observa que na cultura africana, “a sogra pode levar ao fim do casamento se não surgir um bebé.”

Dorothy Namutamba, da Comunidade Internacional das Mulheres a Viver com VIH na África Oriental (ICWEA), organização sediada em Kampala, no Uganda, contou à IPS que as mulheres são educadas para agradar aos maridos.

“Se um homem exigir que ela tenha dez filhos [deve fazê-lo] e se não puder, ele vai procurar noutro local,” asseverou. “A maior parte dos homens não encoraja as mulheres a participarem no planeamento familiar, o que é um grande problema.”

O estigma e a violência doméstica agravam o problema. Anthony Mbonye, Comissário dos Serviços de Saúde do Uganda, disse à IPS que “as mulheres receiam divulgar o seu estatuto de VIH porque podem enfrentar a violência do género e isso limita o seu acesso ao planeamento familiar.”

Dado o poder dos homens sobre as decisões relacionadas com a gravidez, os serviços de saúde reprodutiva orientados para o casal são cruciais, mas “as instalações de saúde estão demasiado sobrecarregadas para incluir o parceiro masculino,” explicou Naliaka.

As esterilizações forçadas das mulheres seropositivas no Quénia, Malawi, Namíbia, África do Sul e Zâmbia, com processos judiciais pendentes, confundem ainda mais a questão dos direitos e necessidades reprodutivas e do VIH.

“Essa situação envergonhou o sector de saúde,” insurgiu-se Naliaka. No entanto, acrescentou, “através desses casos tão publicitados, o sector da saúde e o público compreenderam que estas mulheres têm necessidades reprodutivas semelhantes às das mulheres seronegativas.

Estabelecimentos com balcões únicos

Em relação ao futuro, os especialistas recomendam a integração do VIH, do planeamento familiar e dos serviços de cuidados de saúde materno-infantil, poupando tempo tanto para os utentes como para o pessoal de saúde.

Sete países na África Austral já criaram estes estabelecimentos com “balcões únicos” para a saúde reprodutiva onde as mulheres podem receber os seus medicamentos antiretrovíricos, fazer o rastreio do cancro do colo do útero, receber informação sobre amamentação e planeamento familiar numa única visita e sob um só telhado, às vezes numa sala e com um único professional de saúde.

A ligação de serviços reduz custos e é eficaz, segundo o UNFPA. Faz “sentido do ponto de vista humano”.

 

Editado por Mercedes Sayagues

 

Miriam Gathigah

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