É tempo das mulheres no setor rural

Por Mario Osava e Baher Kamal, da IPS – 

Brasília, Brasil, 7/2/2017 – Uma caribenha, Josefina Stubbs, pode se converter na primeira mulher a presidir o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), cuja missão é erradicar a pobreza rural. O Fida é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), criado em 1977 como instituição voltada ao investimento para beneficiar camponeses e camponesas pobres, que representam três quartos da pobreza e da subnutrição humana no mundo.


Josefina Stubbs, candidata à presidência do Fundo Internacional de Desenvolvimento Rural (Fida). Foto: Cortesia de Josefina Stubbs

 

Stubbs tem 35 anos de experiência em desenvolvimento rural, ultimamente no próprio Fida, como diretora da Divisão da América Latina e do Caribe (2008-2014), e depois como vice-presidente adjunta de Estratégia e Conhecimento, antes de ser apresentada como candidata à presidência por seu país, a República Dominicana. Licenciada em psicologia, com mestrados em sociologia, ciências políticas e desenvolvimento internacional, também trabalhou na organização não governamental Oxfam e no Banco Mundial.

A eleição acontecerá nos dias 14 e 15 deste mês, na reunião anual do Fida em sua sede em Roma. Stubbs tem a seu favor o fato de ter dirigido, como vice-presidente, o desenho do Marco Estratégico 2016-2025 da instituição e ter profundo conhecimento do trabalho do Fundo e de sua dinâmica. O Fida, em seus 40 anos de existência, já destinou US$ 18,4 bilhões a projetos de desenvolvimento rural que favoreceram 464 milhões de pessoas. Seus empréstimos a juros baixos e suas doações mobilizaram somas muito superiores às aportadas por governos e outras fontes nacionais como cofinanciamento.

Aumento dos rendimentos camponeses, proteção do ambiente, capacitação dos agricultores pobres e empoderamento de jovens e mulheres serão as prioridades de Stubbs, se for eleita para o cargo. Suas ideias e seus planos foram resumidos na entrevista que concedeu à IPS, durante sua visita a Brasília, na primeira semana deste mês.

IPS: Quais orientações e prioridades adotará na presidência do Fida se for eleita?

JOSEFINA STUBBS: Vou me dedicar ao trabalho com governos membros do Fida, em particular com países de rendas baixa e média, para que possam se aproximar da Agenda 2030 no setor rural e alcançar o desenvolvimento sustentável, com dois objetivos: segurança alimentar e redução da pobreza. Levar a campo a Agenda 2030 e o apoio a mulheres, jovens e ao ambiente será vital para o futuro do setor rural.

Isso exige aumentar a produtividade agrícola e não agrícola, para produzir mais e melhor, atendendo uma população que continua crescendo, e dinamizar a economia da pequena produção para gerar mais empregos, serviços e renda. É preciso um setor rural vibrante para manter a população no campo, especialmente os jovens.

Temos que apoiar as mulheres com mais força na parte produtiva e também no processamento dos produtos agrícolas, estimulando a criação de empresas para ampliar benefícios. Assim são geradas novas cadeias produtivas inclusivas e também a sua vigorosa participação no mercado. Organizar os produtores é fundamental para aumentar o volume na produção e no comércio, e melhorar os padrões de qualidade dos produtos que chegam a consumidores cada vez mais exigentes.

As políticas públicas constituem o caminho para o Fida trabalhar com mais governos. Um exemplo é o Brasil, onde trabalhamos com os governos federal, estaduais e municipais, em políticas para expandir mercados e transferir tecnologias. O Fida tinha ação limitada no Brasil há oito anos, agora tem acordos com todos os nove Estados do nordeste do país, oferecendo apoio financeiro e assistência técnica. É uma experiência que deve ser aprofundada e levada a outros países.

IPS: E por regiões, alguma será priorizada.? A África, por exemplo?

JS: A prioridade do Fida é onde estão os pobres rurais, e capacitá-los, e aos governos também, para buscar soluções. À África aportamos muitos recursos e deveremos continuar fazendo isso. A economia africana está  fortemente vinculada ao setor rural, seja pelos empregos ou pelos mercados urbanos e periurbanos que demandam mais alimentos de qualidade. A África conta com o apoio do Fida por seus níveis de pobreza, bem como países asiáticos, como Índia, Vietnã, Camboja.

IPS: Pela primeira vez, três mulheres disputam a presidência do Fida. Pesquisadores afirmam que os recursos são mais eficazes contra a pobreza e a fome quando são entregues às mulheres. O que o Fida poderá fazer pelas mulheres rurais, que constituem mais de 60% da mão de obra agrícola nas regiões do sul e são vítimas da desigualdade?

JS: É necessário incentivar os governos a garantirem maior presença das mulheres em todas as atividades financiadas pelo Fida. Mas temos que fazer isso de forma inovadora, rompendo os tradicionais obstáculos do acesso das mulheres a bens públicos e privados, crédito, tecnologia e mercados. É preciso se dedicar a criar novos instrumentos especificamente adaptados à vida das mulheres, às suas necessidades, de tal forma que possam ser relevantes para elas. É absolutamente urgente incrementar a participação delas e seu papel na tomada de decisões sobre os investimentos que são realizados em sua comunidade e que as mulheres sejam sujeito ativo na implantação desses investimentos.

IPS: Mas o desenvolvimento técnico e científico esteve voltado à grande produção agrícola. Seria adequado às mulheres pobres do campo?

JS: O Brasil mostra em sua agricultura a convivência entre grandes e pequenos. Já conta com novas máquinas para os pequenos produtores, como tratores e colheitadeiras, bem como a irrigação para os pequenos. Os avanços da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para melhorar o cultivo dos pequenos são extraordinários. O Brasil desenvolveu tecnologias importantes para outros países, e também avançou na infraestrutura produtiva em comunidades. Um exemplo é a produção de leite de cabra, que conta máquinas e caminhões refrigerados pequenos, adequados às estradas estreitas. Tecnologias adaptadas às pequenas propriedades são necessárias.

A segurança alimentar depende dos pequenos produtores. Na África, 60% da cesta básica da classe média provêm de pequenos produtores locais. Sem aumentar essa produção perderemos uma oportunidade de promover a segurança alimentar dos países. Está comprovado na República Dominicana, onde 80% dos produtos básicos provêm dos pequenos produtores. Aumentar a capacidade produtiva nacional rende mais benefícios do que gastar com importações. É uma batalha ganha que precisa ser tornada visível.

IPS: A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) participa dessa visão?

JS: O trabalho das três agências com sede em Roma – Fida, FAO e Programa Mundial de Alimentos (PMA) – devem criar sinergia. Têm um papel fundamental no apoio aos governos para se ter êxito na Agenda 2030 no setor rural. Desde a competência de cada uma das agências, devemos aumentar nosso impacto no investimento para os pobres rurais por parte do Fida, fortalecer as políticas públicas nacionais e globais que facilitem o êxito da segurança alimentar e da redução de pobreza a partir do trabalho da FAO, e fortalecer as respostas humanitárias no setor rural que o PMA vem realizando há muitas décadas.

IPS: No tema ambiental, como o Fida e os pequenos agricultores podem contribuir para proteger a natureza e o clima?

JS: Os temas de mudança climática e manejo adequado dos recursos ambientais devem ser vistos de forma mais ampla no setor rural. Continuarei defendendo a agricultura inteligente de práticas amigáveis com o ambiente que também geram renda. Mas, adicionalmente, temos que ver o manejo dos recursos ambientais como água, energia, turismo, agroflorestal, os quais também geram benefícios econômicos e ambientais para os setores rural e urbano. Devemos buscar empoderar as comunidades, especialmente as comunidades indígenas, para que se tornem gestoras efetivas e eficientes dos recursos naturais.

IPS: A água é outro crescente problema ambiental

JS: A primeira coisa é cuidar das bacias, reflorestar, conservar. Depois, mudar a matriz de irrigação, substituir a inundação pelas novas tecnologias de irrigação. Às vezes, a solução é simples. A coleta de água de chuva, com se faz no Nordeste do Brasil, é um exemplo. Encontrar essas soluções implica ouvir a população local, não impor perspectivas de desenvolvimento que não são o que as pessoas necessitam.

IPS: Como o Fida dará sequência ou acelerará a redução da pobreza para sua erradicação até 2030?

JS: Ao fechamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, conseguiu-se tirar da pobreza um bilhão de pessoas. Agora o desafio é mantê-los onde estão, mas ainda restam um bilhão de pobres no mundo. Temos que sustentar os êxitos e ampliar os resultados. Devemos combinar os programas de transferência de renda condicionada com aumento de produtividade, apoiar os pequenos produtores em suas empresas de serviços e produção, e apoiar a expansão do acesso a tecnologia como instrumento para expandir os benefícios do desenvolvimento. Temos que criar um setor rural em que os jovens encontrem futuro e queiram ficar. Envolverde/IPS

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Mario Osava

El premiado Chizuo Osava, más conocido como Mario Osava, es corresponsal de IPS desde 1978 y encargado de la corresponsalía en Brasil desde 1980. Cubrió hechos y procesos en todas partes de ese país y últimamente se dedica a rastrear los efectos de los grandes proyectos de infraestructura que reflejan opciones de desarrollo y de integración en América Latina. Es miembro de consejos o asambleas de socios de varias organizaciones no gubernamentales, como el Instituto Brasileño de Análisis Sociales y Económicos (Ibase), el Instituto Fazer Brasil y la Agencia de Noticias de los Derechos de la Infancia (ANDI). Aunque tomó algunos cursos de periodismo en 1964 y 1965, y de filosofía en 1967, él se considera un autodidacto formado a través de lecturas, militancia política y la experiencia de haber residido en varios países de diferentes continentes. Empezó a trabajar en IPS en 1978, en Lisboa, donde escribió también para la edición portuguesa de Cuadernos del Tercer Mundo. De vuelta en Brasil, estuvo algunos meses en el diario O Globo, de Río de Janeiro, en 1980, antes de asumir la corresponsalía de IPS. También se desempeñó como bancario, promotor de desarrollo comunitario en "favelas" (tugurios) de São Paulo, docente de cursos para el ingreso a la universidad en su país, asistente de producción de filmes en Portugal y asesor partidario en Angola. Síguelo en Twitter.

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