Refugiados de Boko Haram em Camarões

Por Mbom Sixtus, da IPS – 

Acampamento de Minawao, Camarões, 20/12/2016 – As lágrimas inundam os olhos de Aichatou Njoya, ao recordar o dia em que guerrilheiros do grupo extremista Boko Haram invadiram sua casa na Nigéria. Ela contou que “foi no dia 24 de maio de 2013. Meu marido dormia em seu quarto enquanto eu estava do outro lado da casa com nossos seis filhos. O menor tinha só um mês de idade”.

Os insurgentes islâmicos, oriundos do nordeste da Nigéria, pegaram meu marido e o arrastaram pelo chão. “Ele foi colocado na nossa frente e, com um facão em seu pescoço, perguntaram se iria se converter do cristianismo para o Islã. Perguntaram três vezes, e três vezes ele negou. Então o mataram na minha frente e dos meus filhos”, contou a viúva, em lágrimas.

Essa refugiada de 36 anos disse que, em seguida, os atacantes discutiram se a deixariam ou não com vida. Finalmente decidiram deixá-la viver. No dia seguinte ela fugiu com os filhos para as colinas e caminhou durante vários dias até chegar à fronteira com Camarões, onde o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) tinha veículos para transportar os refugiados para o acampamento, recentemente instalado.

Njoya mora no campo de refugiados de Minawao, na região do Distante Norte de Camarões, há três anos e meio, com escassa esperança de voltar logo para seu país. A IPS conversou com Njoya e outros refugiados durante visita ao acampamento do alto comissário, Filippo Grandi, no dia 15 deste mês. Ele solicitou que os refugiados nigerianos recebam ajuda financeira adicional, para que possam superar a insuficiente assistência humanitária.

O alto comissário Filippo Grandi é recebido no acampamento de Minawao, em Camarões, no dia 15 deste mês, onde há cerca de 60 mil refugiados que fugiram dos ataques do grupo Boko Haram. Foto: Mbom Sixtus/IPS

 

O acampamento acolhe cerca de 60 mil nigerianos, que fugiram de suas casas desde 2012 devido aos ataques cometidos pelo Boko Haram, cujo nome oficial é Jama’atu Ahlis Sunna wal-Jihad Lidda’awati, que em árabe significa “pessoas comprometidas com a propagação dos ensinamentos do profeta e a jihad”. Grandi falou com refugiados, representantes de organizações não governamentais nacionais e internacionais, e funcionários do governo de Camarões que se reuniram para lhe dar as boas-vindas.

Camarões foi o terceiro Estado que visitou em sua viagem pelos países da bacia do Lago Chade afetados pela insurgência do Boko Haram, que pretende instaurar um Estado Islâmico. Grandi destacou que sua  visita tinha a intenção de incentivar os doadores a proporcionarem mais ajuda aos países e governos afetados, para que colaborem com o restabelecimento da paz na região, facilitando o retorno dos refugiados e deslocados internos às suas casas.

“Fazemos todo esforço para melhorar a ajuda, mas continua sendo insuficiente. Ouvi as queixas dessas mulheres refugiadas, que dizem não ter nenhuma atividade geradora de renda, e creio que o Acnur e seus sócios deveriam começar a trabalhar nessa direção. Ajudá-las a se ajudarem”, ressaltou Grandi. Ele acabara de ouvir as refugiadas e suas representantes sobre as dificuldades diárias que enfrentam, como escassez de alimentos, água e lenha, insuficiência de medicamentos e falta de aulas e pessoal médico nas clínicas do acampamento.

Segundo Njoya e os demais refugiados que conversaram com a IPS, entre eles Jallo Mohamed, Bulama Adam e Ayuba Fudama, as condições de vida pioram dia a dia. Todos se queixam do desemprego. Njoya afirmou que os funcionários de segurança de Camarões impedem que saiam do acampamento, mesmo quando têm certificado de refugiado como documento de identidade. “Isso dificulta o êxito das atividades de geração de renda que pretendemos”, observou.

“Logo que chegamos, cada refugiado recebia 13 quilos de arroz por mês. Mais tarde, foi reduzido para dez quilos e no mês passado caiu ainda mais. A quantidade de lenha também diminuiu”, enfatizou Njoya. “Hoje, quando vamos à clinica por uma dor de cabeça, dão paracetamol. Se você tem febre, dão paracetamol, para dor de estômago ou qualquer outra, dão o mesmo remédio. E quando se vai à noite, não tem ninguém”, lamentou Jallo Mohamed.

Em algumas semanas foram registrados até 50 nascimentos no acampamento de Minawao. “Não se pode culpá-los. Dormem cedo por não terem televisão ou outra forma de entretenimento. Por isso a taxa de natalidade é tão alta”, explicou um médico que preferiu não se identificar.

Camarões acolhe atualmente mais de 259 mil refugiados da República Centro-Africana e 73.747 da Nigéria. Os países doadores, liderados por Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Japão, arrecadaram apenas 37% dos US$ 98,6 milhões que o país necessita para assistência a essa população e deslocados internos anualmente. Isso equivale a um déficit de US$ 62,4 milhões, segundo o Acnur. O déficit especificamente para os refugiados nigerianos chega a US$ 29,7 milhões, segundo o Acnur.

Mas Grandi continua convencido de que o empoderamento dos refugiados para que possam obter sua própria renda vai melhorar o nível de vida nesse acampamento. Quanto à escassez de lenha, contou que viu estufas de fogão de baixo consumo no Níger e Chade e solicitará às partes interessadas de Camarões que introduzam esses modelos nos acampamentos. E também assegurou aos refugiados que um projeto vai fornecer ao acampamento e às comunidades de acolhida água limpa encanada.

A missão do Acnur em Camarões também inclui o lançamento do Plano Regional de Resposta aos Refugiados de 2017 para a situação na Nigéria. Envolverde/IPS

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Mbom Sixtus

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