Jamaica acata o FMI e esquece os pobres

Os doces e as bolachas, o gelo e as poucas bebidas vendidas por Elise Young, de 70 anos, não bastam para pagar sua conta mensal de eletricidade, de US$ 18, e também comprar comida. Foto: Zadie Neufville/IPS

Os doces e as bolachas, o gelo e as poucas bebidas vendidas por Elise Young, de 70 anos, não bastam para pagar sua conta mensal de eletricidade, de US$ 18, e também comprar comida. Foto: Zadie Neufville/IPS

Por Zadie Neufville, da IPS – 

Kingston, Jamaica, 5/6/2015 – Para Roxan Brown, o sucesso que o Fundo Monetário Internacional (FMI) atribui à Jamaica não significa nada. Esta mãe de dois filhos está desesperada para encontrar trabalho e depende da bondade de seus familiares e amigos para sobreviver.

Roxan, de 32 anos, fez vários cursos de formação patrocinados pelo Estado e inclusive se inscreveu no Programa de Promoção pela Saúde e pela Educação (PATH), criado pelo governo para ajudar a população pobre. Mas ela não foi aceita para receber a ajuda e não entende o motivo.

Com a esperança de encontrar trabalho, essa mãe solteira passa os dias telefonando, enviando mensagens e fazendo todas as viagens que seu bolso permite. Ela precisa ajudar seu filho, que terminou o secundário em 2014 e foi aceito na universidade. Sua filha cursa o secundário e se prepara para os exames.

A vários quilômetros de distância, na localidade costeira de Denbigh, duas idosas estão sentadas do lado de fora do Centro de Saúde May Pen. Cinco dias por semana se dedicam a ganhar sua escassa renda com a venda de doces, bolachas, água em garrafa, bebidas e frutas. Não recebem pensões e não estão aptas a receber nem mesmo a ajuda básica do PATH.

Os doces e as bolachas, o gelo e as poucas bebidas vendidas por Elise Young, de 70 anos, não bastam para pagar sua conta mensal de eletricidade, de US$ 18, e também comprar comida. “É muito difícil, mas tenho que viver”, afirmou. Sua filha, que geralmente a ajuda com alguns dólares por semana, agora está desempregada.

Ao lado de Elise está Iona Samuels, que dia sim dia não se dedica a vender laranja e banana para poder chegar ao fim do mês. Por sorte ela não paga aluguel, porque cuida da casa de uma amiga que vive no Canadá. Porém, não pode sair para vender frutas todos os dias, porque nem sempre consegue repor sua mercadoria já que as contas de água e luz levam todo seu dinheiro.

“Às vezes, compro duas dúzias de laranjas e duas dúzias de bananas e só vendo a metade. Então não ganho nada porque tenho que vendê-las a preço de custo e preciso comer e pagar as contas”, explicou Iona. Ela conta que sua idade avançada limita sua capacidade para fazer outro tipo de trabalho. E se preocupa pelo fato de o governo não ter programas para pessoas “pobres e vulneráveis” como ela.

Morar sem pagar aluguel é bom para Iona, mas também a prejudica, pois não reúne as condições para receber a ajuda estatal. “Vivo em uma casa totalmente mobiliada, por isso não estou apta a receber nada. Não levam em conta que a casa não é minha. Tem um fogão a gás e uma televisão, então não reúno as condições para receber ajuda”, explicou.

Ao longo da história das relações da Jamaica com o FMI, os mais pobres de seus 2,8 milhões de habitantes são os que sofrem a carga mais pesada. Como o governo dedica a maior parte de sua renda para pagar os empréstimos do banco multilateral, não sobra nada para a assistência pública.

A organização norte-americana Centro de Política Econômica e Pesquisa aponta que, transcorridos três anos desde seu último acordo com o FMI, a Jamaica está sufocando, lutando para manter a taxa de crescimento que oscila entre 0,1% e 0,5% no atual trimestre.

Após 20 anos de redução da pobreza do país, o número de jamaicanos que vivem abaixo da linha da pobreza disparou nos últimos anos, de 9,9%, em 2007, para 12,3%, em 2008, 16,5% em 2009 e 19,9% em 2012. Segundo pesquisa da Igreja Adventista, realizada no ano passado, atualmente há 1,1 milhão de pessoas que vivem na pobreza.

O problema mais grave é a dívida externa, algo que o governo reconhece como sério obstáculo para o crescimento econômico. Segundo o Banco Mundial, a proporção da dívida frente ao produto interno bruto (PIB) da Jamaica, estimada em 140% no final de março deste ano, é uma das mais altas do Sul em desenvolvimento.

A primeira-ministra, Portia Simpson Miller, ganhou as eleições gerais de 2011 com a promessa de que seu governo seria amigo dos pobres. Mas o Instituto de Planejamento da Jamaica (PIOJ) alertou que, embora o programa do FMI seja necessário, não basta para desbloquear o tipo de crescimento imprescindível para impulsionar a economia e gerar empregos. “A recuperação econômica continua sendo frágil”, segundo o PIOJ, apesar de o país ter aplicado as recomendações do FMI e melhorado seus índices macroeconômicos e suas perspectivas de crescimento.

“Durante décadas, o país lidou com um crescimento baixo, dívida pública alta e muitos choques externos que debilitaram ainda mais a economia. Nos últimos 30 anos, o PIB real por habitante aumentou, em média, apenas 1% ao ano, colocando a Jamaica entre os países em desenvolvimento de crescimento mais lento”, confirmou o Banco Mundial.

Em poucas palavras, a Jamaica gasta muito mais do que ganha. Embora existam alguns setores que avançam, o setor industrial e a comunidade internacional atribuem a falta de crescimento ao custo dos combustíveis, aos altos custos da energia e à deliquência.

No ano passado, a Jamaica pagou ao FMI US$ 136 milhões a mais do que recebeu, e o país ainda deve ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento mais de US$ 650 milhões até 2018. Apesar disso, o governo segue lutando para manter a gratuidade nas áreas da atenção médica e educação primária e secundária.

Alguns acreditam que o governo não faz o que pode para gerar postos de trabalho, e que os empregos disponíveis vão para seus partidários. Outros culpam o setor privado, e este, por sua vez, acusa a desvalorização do dólar e o alto custo dos combustíveis e da energia. A taxa de desemprego nacional chega a 14,2%, e calcula-se que o desemprego juvenil duplica essa quantidade. Tudo faz pensar que as coisas não vão andar bem para Roxan. Envolverde/IPS

Zadie Neufville

Zadie Neufville is a Jamaican-born journalist and communications specialist with more than 20 years of experience. She is a specialist writer on development issues, primarily in the areas of agriculture, women, health and the environment. Zadie has worked as a TV producer, scriptwriter, print and radio reporter, magazine editor, communications specialist and lecturer/trainer. Zadie also specialises in media and consumer product development and is one of the principals in AhYaad Communications, a full service company offering services in all areas of development communication. Zadie is also Program Manager with the Blue Mountain Project, a U.S.-registered charity working in Jamaica’s Blue Mountains.

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