A solidariedade se veste de verde em Istambul

 A solidariedade se veste de verde em Istambul

Barricada policial em maio de 2013 no Parque Gezi, um dos últimos espaços verdes do distrito de Beyoğlu, em Istambul, na Turquia, e um “oásis” na Praça Taksim, um espaço aberto de cimento com algumas poucas estátuas, fontes e entradas para as estações subterrâneas. Foto: Wikimedia Commons

 

Istambul, Turquia, 20/10/2014 – O rosto do ativismo e da consciência ambiental mudou na Turquia, um ano depois do levante no Parque Gezi, um protesto que começou para salvar algumas árvores e se converteu na reclamação de várias organizações contra megaprojetos urbanísticos.

“Não é coincidência que as manifestações tenham ocorrido por uma questão ecológica, por preocupações com o desenvolvimento urbano”, apontou Morat Ozbank, professor-adjunto de teoria política na Universidade Bigli e membro da junta do Partido Verde da Turquia. “E, depois, isso se tornou um assunto de direitos humanos e democratização”, acrescentou.

Às 23 horas do dia 27 de maio de 2013, alguns tratores avançaram sobre o Parque Gezi, um dos últimos espaços verdes que restam no distrito de Beyoğlu, em Istambul, e um “oásis” na Praça Taksim, uma vasta extensão de cimento, com estátuas, fontes e entradas para as estações subterrâneas.

As máquinas deveriam retirar algumas árvores para a construção de um centro comercial ao estilo otomano, mas em 20 minutos uma multidão encheu o Parque e impediu que fossem retiradas. As pessoas permaneceram no local por 20 dias, até que foram retirados pela polícia. O centro comercial era um dos projetos promovidos pelo então primeiro-ministro e agora presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

A lista é longa e inclui uma terceira ponte sobre o estreito de Bósforo, um túnel para veículos sob o estreito e o maior aeroporto do mundo, entre outros megaprojetos. Muitos dos projetos são realizados com a oposição de entidades como a União de Câmaras de Arquitetos e Engenheiros da Turquia (TMMOB), responsável por avaliar o impacto das obras e alertar sobre possíveis danos ao ambiente.

Segundo Akif Burak Atlar, secretário da junta na Câmara de Planejadores Urbanos da Turquia, todos os projetos estão nessa categoria. “Os megaprojetos são um desastre para Istambul. Todas as obras danificam algo”, destacou. O planejamento urbano é uma profissão racional, mas o governo não ouve os argumentos e entrega nossos espaços públicos à construção.

Atlar acredita que cada bairro de Istambul deveria ter por lei certa quantidade de espaço verde para manter os padrões de planejamento urbano. Mas os parques públicos são destruídos e, fora da cidade, ocorreu o mesmo com vários quilômetros de florestas destruídos para a construção da terceira ponte.

Todos os projetos motivaram críticas de várias organizações pequenas e ações legais por parte da TMMOB antes de maio de 2013, mas nada parecido com a mobilização no Parque Gezi. “Gezi foi um momento único na história da Turquia”, pontuou Atlar. “Não houve um líder nem uma organização formal. Foi um despertar”, acrescentou. Após um ano, o movimento segue ativo, e, embora o governo não tenha mudado as políticas de planejamento urbano, as organizações de base uniram-se com a esperança de conseguir mudanças.

Uma dessas entidades é a Defesa da Floresta do Norte, movimento organizado por voluntários para defender as últimas florestas do norte de Istambul. Conhecido como “filho de Gezi”, dedica-se a tentar deter o desenvolvimento de megaprojetos como a terceira ponte, bem como trabalhar com comunidades pequenas para frear a destruição de espaços públicos.

Embora com esforços pequenos, Cigdem Cidamli, fundador da organização, acredita que são essenciais para a defesa urbana. “Os pequenos movimentos não podem gerar mudanças como os grandes, mas não podemos ter os segundos sem os primeiros. Agora tentamos criar mais canais integrados de solidariedade”, afirmou.

Cidamli, Atlar e Ozbank concordam que a integração das organizações é o êxito mais visível de Gezi. Muitos bairros agora contam com um grupo de defesa urbana para discutir uma ampla variedade de assuntos. Muitos desses pequenos grupos uniram-se para formar organizações maiores, como Solidariedade Taksim, Defesa Urbana de Istambul e Defesa da Floresta do Norte.

O pequeno grupo Caferaga Dayanismasi é um coletivo do bairro de Kadikoy que realiza reuniões e organiza atividades em um prédio abandonado, ocupado e reformado por seus membros. Behadir, um de seus integrantes, contou que o melhor que fizeram como grupo foi ocupar e cultivar um espaço vazio que seria transformado em uma área de estacionamento. Agora é uma horta comunitária onde os vizinhos, jovens e velhos, sujam as mãos.

Cidamli agradece a Gezi por esta evolução. “A partir daí as pessoas buscam para o interior formas de criar pequenas expressões de solidariedade”, afirmou. “Não podemos ter um Gezi todos os dias. Por outro lado, cultivamos tomates”, acrescentou. Com esse conhecimento de um ativismo arraigado na comunidade, explicou Behadir, a cidade não pode cortar nem uma só árvore sem desatar um protesto. Mas, até agora, o único projeto que se conseguiu deter foi o centro comercial em Gezi. “O engraçado é que neste momento não podem fazer nada na Praça Taksim. Não podem tocar em nada, nem mesmo melhorar o lugar”, observou Ozbanco, sorrindo. Envolverde/IPS

Tessa Love

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