Estados Unidos pressionam para União Europeia incluir betume em tratado comercial

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Extração de petróleo de areias betuminosas em Fort McMurray, na província de Alberta, no Canadá. Foto: Chris Arsenault/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 21/7/2014 – Documentos internos que acabam de ser divulgados indicam que os Estados Unidos tentam bloquear uma proposta de regulamentação da União Europeia (UE) sobre mudança climática, que obrigaria os países europeus a não importarem petróleo não convencional que especialistas consideram especialmente prejudicial para o ambiente.

Grupos ecologistas, que se baseiam em documentos divulgados pelo governo a seu pedido, afirmam que os representantes de comércio exterior de Washington agem diante da frustração expressada pela indústria petroleira do país.

A lei europeia proibiria a importação de um tipo pesado de óleo extraído de betumes, como as areias betuminosas ou asfálticas que o Canadá possui na província de Alberta, em cujo desenvolvimento as empresas norte-americanas realizaram grandes investimentos. Canadá e Venezuela têm as maiores jazidas mundiais deste tipo de petróleo pesado.

Funcionários norte-americanos e da União Europeia concluíram no dia 18, em Bruxelas, a sexta rodada de negociações do que será a maior zona de livre comércio do mundo, conhecida como Associação Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP).

“Estes documentos demonstram que os Estados Unidos simplesmente não têm interesse em um processo aberto e transparente” de negociação, afirmou Bill Waren, analista comercial da organização Amigos da Terra neste país. “Pelo contrário, os representantes norte-americanos pressionam de uma maneira que refletem os interesses de Chevron, ExxonMobil e outros”, acrescentou se referindo às corporações petroleiras.

A indústria do petróleo expressa reiteradamente sua preocupação diante da possibilidade de maior severidade do regime sobre as emissões de combustíveis de transporte da UE, proposto pela primeira vez em 2009 na Diretriz sobre Qualidade dos Combustíveis (FQD). Um informe, divulgado na dia 17 deste mês pela Amigos da Terra Europa, indica que o setor teria convencido o governo dos Estados Unidos a bloquear de maneira permanente a aplicação da FQD. As negociações em andamento obrigariam a abrir o enorme mercado da UE para o petróleo de areias betuminosas. A província canadense de Alberta possui grandes jazidas desse betume.

“Desde a adoção da FQD em 2009, as companhias petroleiras internacionais, as refinarias de petróleo, o governo do Canadá e o governo provincial de Alberta gastaram enormes recursos e empregaram formas agressivas de lobby para atrasar ou enfraquecer a proposta” da UE, segundo o informe que tem apoio de seis organizações ambientalistas. “A indústria do petróleo e o governo do Canadá temem que a FQD estabeleça um precedente ao reconhecer e rotular as areias aslfálticas como altamente contaminantes e inspirar leis semelhantes em outros lugares”, acrescenta a nota.

Em disputa está o mecanismo que permitirá à UE definir as emissões de gases-estufa de diferentes tipos de petróleo e gás. Como parte dos compromissos climáticos da Europa, esta modificou a FQD para reduzir em 6% as emissões dos combustíveis de transporte até o final desta década.

Em 2011 a UE propôs que as areias de alcatrão e outros petróleos não convencionais fossem catalogados formalmente com uma “intensidade” de efeito estufa maior do que o petróleo convencional, já que sua produção exige mais energia: 23% a mais, segundo estudo feito pela Comissão Europeia.

As transnacionais petroleiras investiram US$ 150 bilhões nas areias asfálticas do Canadá entre 2001 e 2012, segundo a Amigos da Terra, e se prevê que esse número chegue a US$ 200 bilhões até 2022.

Os investidores “querem transportar imediatamente todo o petróleo de areia betuminosa que podem para a Europa”, pontuou Waren. “No longo prazo, querem conseguir os investimentos para poderem desenvolver a infraestrutura necessária para enviar esse combustível fóssil excepcionalmente sujo à Europa”, acrescentou. Muitos dos investidores confiaram que o petróleo das areias betuminosas do Canadá teriam um mercado seguro nos Estados Unidos.

Mas este país não só está reduzindo sua dependência da importação do hidrocarbonos como também o transporte transnacional desse tipo de petróleo canadense se converteu em um controvertido tema político em Washington, e continua sendo incerto. Por isso, em 2013, o lobby do petróleo pressionou os representantes comerciais dos Estados Unidos para protegerem o acesso à Europa do petróleo não convencional nas negociações do TTIP.

“Se a UE aprovar a proposta de modificação da FQD, prejudicará a relação com os Estados Unidos e poderá eliminar uma corrente comercial anual de US$ 32 bilhões”, apontou David Friedman, vice-presidente da American Fuel & Petrochemical Manufacturers, que reúne empresas petroleiras norte-americanas, em carta destinada ao representante comercial dos Estados Unidos em maio de 2013.

Agora, um e-mail interno da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, revelado pela Amigos da Terra Europa e mencionado no informe dos ativistas, indicaria que os representantes comerciais de Washington compartilham essa análise. Washington “informou oficialmente que as autoridades norte-americanas estão preocupadas com a transparência e o processo, e que mantém inquietações de fundo sobre a proposta existente, a sinalização dos petróleos, do Canadá e da Venezuela”, segundo o e-mail de outubro de 2013.

A carta também diz que os negociadores norte-americanos prefeririam um “sistema médio para os petróleos”, o que significa que todas as formas de petróleo receberiam uma pontuação quanto à intensidade de suas emissões. Isto levantaria a proibição europeia aos petróleos não convencionais e, segundo a Amigos da Terra, acrescentaria 19 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.

As revelações chegam uma semana depois do vazamento de um documento do TTIP sobre a política energética da UE, que levaria os Estados Unidos a eliminarem as restrições e autorizar de forma automática as exportações de petróleo para território europeu.

“Nos opomos firmemente às tentativas da UE em utilizar este acordo comercial, negociado a portas fechadas, para garantir o acesso automático ao petróleo e ao gás dos Estados Unidos”, afirmou Ilana Solomon, diretora do Programa de Comércio Responsável do Sierra Club, um das organizações ecologistas mais influentes deste país.

Os documentos que vazaram chamaram a atenção do Congresso norte-americano. “Reiteramos que as ações que pressionam a UE para modificar seu FQD seriam incompatíveis com as metas expressadas no Plano de Ação Climática do presidente” Barack Obama, disseram 11 senadores em uma carta ao representante comercial dos Estados Unidos no dia 9 de julho. “Continuamos preocupados como a possibilidade de as normas comerciais e de investimento poderem ser usadas para minar ou ameaçar importantes políticas climáticas de outras nações”, acrescentaram. Mas talvez já seja tarde de mais.

No dia 5 de junho, os meios de comunicação informaram que a Comissão Europeia considerava dar seu apoio à estratégia da “média” de Washington para calcular as emissões dos combustíveis. Também por esses dias, a Espanha teria recebido o primeiro carregamento de petróleo de areia betuminosa, cerca de 570 mil barris (cada um de 159 litros) procedentes do Canadá. Envolverde/IPS

Carey L. Biron

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