Os votos e a economia seguem caminhos distintos na África do Sul

Sudafrica 1 Os votos e a economia seguem caminhos distintos na África do Sul

Os “nascidos livres” da África do Sul, que nasceram depois das eleições de 1994, se dirigem para votar pela primeira vez na comunidade de Mabheleni, em Kwazulu Natal. Foto: GCIS/CC by 2.0

 

Cidade do Cabo, África do Sul, 19/5/2014 – A agência de classificação de risco Moody’s deu à África do Sul uma avaliação positiva porque os resultados das eleições gerais do dia 7 asseguraram a continuidade da política macroeconômica do país, ao dar maioria absoluta ao governante Conselho Nacional Africano (CNA). Porém, o êxito do partido Economic Freedom Fighters (EFF, ou Lutadores pela Liberdade Econômica) conta uma história diferente, vinculada às desigualdades econômicas do país.

Com sua característica boina verde, o fundador do EFF, Julius Malema, se destaca como um revolucionário de esquerda que promete a nacionalização das minas e dos bancos, a expropriação de terras para entregá-las aos sul-africanos negros, criação de empregos mediante a proteção do desenvolvimento industrial e ensino gratuito, assistência sanitária, moradia e saneamento.

Com apenas oito meses de existência, o EFF conquistou 25 cadeiras no parlamento e se converteu na terceira força política do país, com 1,2 milhão de votos. Malema é um ex-dirigente da Liga Juvenil do CNA, que foi expulso de suas fileiras em 2012, acusado de incitação ao ódio contra os sul-africanos brancos, divisionismo dentro do partido, lavagem de dinheiro, fraude, extorsão e evasão de impostos.

Este ano, o governo aprovou o Plano Nacional de Desenvolvimento que, segundo a Tralac, uma organização dedicada ao fomento da capacidade industrial, “se converteu na pedra angular da política pública para encarar objetivos como o aumento do emprego, redução da pobreza e da desigualdade”. Mas a greve por demandas salariais, que os integrantes da Associação de Mineiros e do Sindicato de Trabalhadores da Construção mantêm, deixou clara a disparidade da renda nas minas da África do Sul.

A tensão era visível nestes dias na mina de platina Lonmin, na província do Noroeste, onde mineiros com armas tradicionais bloquearam os caminhos com barricadas para impedir que seus companheiros regressassem ao trabalho. Os meios de comunicação locais informaram, no dia 15, que muitos pareciam partidários do EFF, já que usavam camisetas estampadas com o rosto de Malema.

O EFF de Malema é uma plataforma que atrai os que ficaram fora do sistema atual, afirmou o professor Adam Habib, especialista político da Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo. “Malema aproveitou o nicho dos eleitores descontentes com o CNA, jovens que se esforçam para conseguir emprego e trabalhadores que lutam para chegar ao fim do mês”, apontou à IPS.

Mas Habib argumenta que o digno resultado do EFF nas urnas não é mais do que um voto de protesto em muitos casos. “Muitos cidadãos não levam Malema a sério. Os eleitores do EFF não votam nele porque o consideram um presidente em quem acreditar. Votam nele por rancor pelo CNA e para enviar uma mensagem à elite política no poder”, assegurou o especialista.

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Membros da comunidade de Mabheleni, em Kwazulu Natal, África do Sul, quando se iam para votar, no dia 7 deste mês, após 20 anos de democracia. Foto: GCIS/CC by 2.0

 

O CNA poderá ter sérios problemas se o partido não olhar para frente, e para dentro de si próprio. O escândalo e o descumprimento de muitas promessas afetou o partido governante de Jacob Zuma. Deixou muitos – jovens, pobres, marginalizados e partidários do CNA de longa data – profundamente insatisfeitos e desiludidos. Muitos não votaram ou abandonaram o partido por outras forças que lhes oferecem uma mudança radical.

Se o CNA espera recuperar a confiança e mobilizar os milhões de jovens “nascidos livres” que cresceram na democracia, seus dirigentes terão de insistir mais em seu compromisso com o futuro do que no papel que desempenharam para acabar com o regime racista do apartheid (1948-1992), afirmou Habib. “Temos de apelar a eles e aos seus interesses”, disse em referência ao eleitorado juvenil.

“A grande maioria é pobre e marginalizada. Um partido deve ter uma mensagem que lhes proporcione um futuro, uma mensagem de inclusão, que aborde a desigualdade e proporcione às pessoas um emprego e um nível de vida digno”, acrescentou Habib, ressaltando que tem de ser “uma mensagem de modernidade, de serem cidadãos do século 21. Enquanto não o fizerem, não impulsionarão essa geração”.

O CNA foi o partido preferido de grande parte do eleitorado desde o fim do apartheid, graças à sua história de luta contra o apartheid e ao legado do líder Nelson Mandela, que governou o país entre 1994 e 1999 e faleceu em dezembro de 2013. O partido governante obteve 62% dos votos, mas perdeu terreno importante em antigos redutos como a província de Gauteng e caiu quatro pontos em relação às eleições anteriores.

É hora de os políticos analisarem em profundidade seu comportamento atual, segundo Habib, já que o apoio que o CNA recebe está em seu mínimo histórico. “A queda de 4% do CNA dever ser um chamado de atenção para a elite governante, sobretudo depois da redução de 4% em 2009. Se isso não basta, o susto deveria despertá-lo de sua complacência”, pontuou.

Essa complacência ficou evidente no período pré-eleitoral, quando o presidente Zuma declarou que só as classes médias “inteligentes” se preocupavam com o escândalo em torno das “obras de segurança” realizadas em sua casa de retiro em Nkandla, com um custo milionário.

As eleições de 2014 são uma “introdução para o jogo real” do que ocorrerá em cinco anos, segundo Habib. Esse sentimento é compartilhado por analistas políticos como o professor Steven Friedman, diretor do Centro para o Estudo da Democracia nas universidades de Rhodes e Johannesburgo.

“O CNA reconheceu que muitos de seus partidários não estavam contentes com os líderes que pareciam mais interessados em si mesmos do que nos eleitores”, apontou Firedman. O partido perdeu o apoio estratégico do Congresso Sindical da África do Sul e sua outrora enérgica liga juvenil, acrescentou. “Essa eleição não desafiou o domínio do CNA nas urnas. Mas, se o resultado convencer seus dirigentes de que já não têm de se preocupar pelos problemas causados pelos políticos que se expõem diante do país, pode preparar o caminho para que haja muito mais competição nas próximas eleições”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS

Rebekah Funk

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