Cuba começa a desatar nós salariais

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Estudantes da faculdade de ciências médicas do Hospital Docente Calixto García caminham por uma rua de Havana, no dia em que foram anunciados aumentos salariais para seu setor. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Havana, Cuba, 24/3/2014 – O aumento dos salários no sistema de saúde de Cuba oxigena este estratégico setor, cujos serviços no exterior – segundo as previsões – deverão representar este ano US$ 8,4 bilhões, embora mantenha muito grande a distância entre as remunerações e o custo de vida. Talvez por isso as primeiras reações ao anúncio oficial, feito no dia 21, sobre os novos salários levaram a pensar que a medida possa ser estendida a outros setores.

Cidadãos ouvidos pela IPS também destacaram que esperam que o aumento se traduza em melhor atendimento de saúde, que neste país de 11,2 milhões de habitantes é gratuito. “Talvez tenhamos melhores serviços de saúde”, disse uma contadora de 50 anos, que pediu para não ser identificada. “Esse setor será privilegiado e o restante continuará com salários miseráveis. Haverá uma desigualdade muito grande e não se cumprirá isso de maior capacidade maior salário, porque, em geral, haverá pessoas muito capazes ganhando pouco”, acrescentou.

Outra mulher, de 60 anos, que esperava para ser atendida em um centro policlínico de Havana, considerou “bom” o aumento dos salários de quem “nos atende, que têm de passar más noites e ganham muito pouco. Tomara que com o tempo aumentem para todos, inclusive os aposentados”, afirmou, embora duvide que isso ocorra no curto prazo.

O aumento salarial para os mais de 440 mil trabalhadores da saúde entrará em vigor em junho e beneficiará principalmente os médicos, estomatologistas e profissionais de enfermagem. Mas a brecha nas remunerações é tão grande que os salários vão permanecer baixos apesar de uma alta percentualmente muito significativa. Um médico com duas especialidades passará a ganhar 1.600 pesos (US$ 64), 973 pesos (US$ 39) a mais do que atualmente, enquanto o profissional de enfermagem receberá 594 pesos (US$ 24), 275 pesos (US$ 11) acima do que recebe agora.

O aumento foi aprovado no dia 19 pelo Conselho de Ministros, encabeçado pelo presidente Raúl Castro, e também duplica a remuneração do trabalho noturno para os médicos e demais trabalhadores do setor. Os que trabalham em missões médicas no exterior preservarão seus empregos e salários ao retornarem e receberão durante a ausência sua remuneração dentro do país em CUC, a divisa de circulação legal em Cuba.

Mais de 50 mil profissionais da saúde integram missões em 66 países, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde. O mais novo destino é o Brasil, onde 11.430 médicos cubanos atendem comunidades carentes graças a um acordo entre os dois países que foi ativado em agosto de 2013.

Após deserções e reclamações sobre a remuneração dos médicos cubanos, as autoridades brasileiras informaram em fevereiro que Cuba aceitou elevar seus salários de US$ 400 para US$ 1.125 mensais, a partir de março. Informações de Brasília não confirmadas por Havana situam em US$ 4.255,30 mensais a quantia paga a Havana para cada profissional cubano.

Dentro das reformas para “atualizar” o modelo econômico, aprovado pelo governante Partido Comunista Cubano em 2011, o setor da saúde foi submetido a uma reestruturação que incluiu redução de pessoal e expansão da comercialização dos serviços médicos, dentro e fora do país. A alta salarial pretende dar estabilidade ao setor, melhorar a atenção com a população e cumprir os compromissos internacionais.

Algumas das pessoas consultadas se mostraram temerosas de que, para pagar esse custo, aumentem os preços dos alimentos, já bastante altos. “Posso ganhar muito, mas se amanhã disserem que tudo aumentou um pouco, sentirei que para meu bolso segue tudo igual”, pontuou à IPS a especialista em psicologia da saúde Ivón Rodríguez, com 30 anos na área. “Também se deve esperar outras mudanças, como a anunciada unificação da moeda”, acrescentou.

Em Cuba circula o peso, a moeda nacional, e o CUC, que funciona como divisa. Com o peso são pagos salários, prestações sociais e aposentadorias, bem como as tarifas subsidiadas por serviços de água, eletricidade, gás e telefone. Segundo economistas, a família média cubana, de quatro pessoas, gasta entre 59% e 74% de sua renda com alimentos.

A família cubana deve sistematicamente recorrer a lojas que operam em CUC e a feiras agrícolas para completarem as necessidades alimentares não cobertas pela caderneta de produtos subsidiados e racionados. A “libreta” cobre certas quantidades de açúcar, arroz, feijão, massa, ovo, pão ou magras porções mensais de frango ou outra carne.

O presidente reconheceu várias vezes a precariedade dos salários, mas alerta que é impossível aumentar as remunerações sem antes incrementar os bens e serviços, bem como a produtividade e a eficiência no trabalho.

A alta das remunerações também é tema recorrente da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), e em seu último congresso, no mês passado, foram muitos os pedidos de aumento salarial. “Os problemas do salário são identificados como o principal obstáculo para o aumento da produtividade e da eficiência”, alertou o secretário-geral da CTC, Ulises Guilarte, nesse congresso. Também são apontadas “como causa de desmotivação, apatia e desinteresse pelo trabalho”, destacou.

O salário médio mensal está em 466 pesos (US$ 18), segundo os últimos dados oficiais. Contudo, o comunicador Ariel Terrero, especialista em temas econômicos, alertou que esse indicador não reflete o salário médio real nem o poder aquisitivo cubano. A seu ver, para medir a capacidade aquisitiva é preciso considerar pagamentos em CUC que diferentes setores fazem aos seus empregados, como complemento dos salários em peso, sobretudo em empresas exportadoras e na área do turismo.

Também são determinantes as rendas obtidas por remessas de dinheiro recebidas pelos cubanos enviadas do exterior, recordou Terrero à IPS. Essas remesas se situam, segundo algumas fontes, em cerca de US$ 2 bilhões ao ano e, segundo outras, em um valor muito maior. O comunicador considera muito difícil calcular o custo da capacidade de compra, pela segmentação do mercado interno em lojas em CUC e em pesos, e as diferenças nos preços, muito altos nos determinados pela oferta e pela demanda, e “insignificantes” nos da caderneta de racionamento.

“A participação nas remessas e a renda em geral não é parelha”, apontou Terrero, comentarista habitual na televisão. As mudanças no modelo econômico “acentuam as diferenças entre diversos segmentos de consumidores, cada vez mais distanciados em suas capacidades de compra”, acrescentou.

O aumento salarial na saúde está longe de fechar a brecha entre renda e custo de vida para boa parte da população, afirmam os economistas. Porém, Terrero considera que abre uma “discreta janela” para a esperança de uma melhoria geral das remunerações no futuro. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Ivet Gonzáles (Havana).

Patricia Grogg

Patricia Grogg es chilena y reside en La Habana. Se desempeña como corresponsal permanente de IPS en Cuba desde 1998. Estudió gramática y literatura española en la Universidad de Chile, y periodismo en la Universidad de La Habana. Trabajó como reportera, jefa de redacción y editora en la agencia cubana Prensa Latina. A mediados de la década de 1990 se incorporó por unos meses como jefa de redacción a la agencia Notimex en Santiago de Chile. Desde Cuba también ha colaborado con medios de prensa mexicanos y chilenos. En su labor cotidiana investiga temas sociales, políticos, energéticos, agrícolas y económicos.

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