O messias dos pobres nepaleses viaja de helicóptero

manifestacao O messias dos pobres nepaleses viaja de helicóptero

Uma manifestação em Katmandu, onde cresce o descontentamento pela promessa não cumprida de igualdade e oportunidades. Foto: Sudeshna Sarkar/IPS

 

Kolkata, Índia, 25/11/2013 – A campanha eleitoral no Nepal esteve marcada pelo esbanjamento de um ex-primeiro-ministro e guerrilheiro maoista, autoproclamado messias dos pobres, que viaja de helicóptero à caça de votos nesse pequeno país do Himalaia, onde 25% da população está afundada na pobreza. Pushpa Kamal Dahal, conhecido como Prachanda (o temível), foi professor, líder guerrilheiro e primeiro-ministro entre 2008 e 2009, depois da abolição da monarquia no Nepal.

Sua campanha com vistas às eleições do dia 19, como líder do Partido Comunista Unificado do Nepal (maoista), foi alvo de fortes críticas. Destacados cidadãos nepaleses, partidos rivais e inclusive seus antigos camaradas maoistas dizem que Prachanda realçou as desigualdades socioeconômicas nesse país de 27 milhões de habitantes.

“É difícil compreender como um líder proletário que se autoproclama o messias dos pobres conseguiu encontrar recursos e a justificativa moral para fazer isso, dia após dia”, disse com ironia Bhagirath Basnet, ex-ministro das Relações Exteriores. Isso ocorre “em um país onde 25% das pessoas estão na pobreza e milhões de crianças são privadas da mínima nutrição e educação primária”, afirmou à IPS.

Paradoxalmente, a campanha do principal rival dos maoistas, o Partido do Congresso do Nepal, foi muito mais austera. Seus veteranos líderes, entre eles um septuagenário sobrevivente de câncer, viajaram em bicicletas e a cavalo para atrair os eleitores.

A Comissão Eleitoral Nepalesa continuava, no dia 22, a contagem dos votos e os resultados preliminares davam um apertado triunfo ao Partido do Congresso. Contudo, Pushpa denunciou fraude e exigiu que o processo fosse suspenso. Enquanto os nepaleses criticam nas redes sociais o esbanjamento maoista, antigos companheiros de luta acusam o partido de ter se vendido.

“Os maoistas chegaram ao poder com a promessa de acabar com a desigualdade e a pobreza”, disse Prasad Yadav Matrika, outrora o líder maoista de maior hierarquia nas planícies de Terai. “No entanto, traiu a guerra onde morreram mais de 15 mil pessoas”. A insurreição maoista começou em 1996 com o objetivo declarado de acabar com a monarquia e o regime feudal de uma dinastia que se apropriou dos recursos naturais para a família real e a nobreza durante quase 250 anos.

A guerra civil terminou em 2006 e o Partido Comunista Unificado chegou ao poder em eleições legítimas, mas as desigualdades sociais e econômicas desencadeadas por seu movimento seguem em pé. O Nepal, que fica entre os dois gigantes asiáticos, Índia e China, tem renda anual por pessoa de US$ 742. “Sinto vergonha quando viajo ao estrangeiro”, disse Binod Chaudhary, diretor de um grupo empresarial nepalês e o primeiro multimilionário do Nepal na lista dos mais ricos do mundo elaborada pela revista Forbes.

“A cada dia milhares de nepaleses viajam para o exterior em busca de trabalho, porque aqui não há. Temos cortes de energia de 16 horas por dia, embora o Nepal tenha um enorme potencial hidrelétrico”, contou Chaudhary à IPS. “Nem mesmo temos suficiente água potável em Katmandu, e muito menos nos povoados. As pessoas me perguntam: você é multimilionário, mas o Nepal é tão pobre. Qual a razão?”, acrescentou.

Entusiasmados pelo sucesso dos maoistas, surgiram novos grupos que aproveitavam o descontentamento pela promessa não cumprida de igualdade e oportunidades. O ex-ministro maoista Matrika Yadav, agora é um adversário, com um queixa antiga. “Os maoistas oprimiram Madhes” (a região de Terai), afirmou. Terai, a zona agrícola do Nepal, foi descuidada por sucessivos governos porque seus moradores eram considerados imigrantes da Índia e inferiores aos habitantes das colinas.

“As pessoas de Terai ainda não têm cidadania”, explicou Yadav. “Seguem sem representação no exército, no setor público e no poder judicial nas quantidades que o governo prometeu. Carecem de educação, saúde e oportunidades”. O Partido Comunista do Nepal (maoista), ao qual pertence Yadav, boicotou as eleições e seu líder alerta que a força política poderia passar à clandestinidade. Outro ex-camarada, Mohan Vaidya, não só se opôs às eleições como convocou uma greve de dez dias nos transportes, para atrapalhar a votação.

Vaidya, na época um dos três principais dirigentes maoistas, é um político de linha dura que considera um erro ter aceito a paz em 2006. Junto com grupos dissidentes se mostrou inflexível sobre a greve, apesar das dificuldades que causou às pessoas. Durante a paralisação foram incendiados ônibus, inclusive um que transportava passageiros. Artefatos explosivos improvisados, a arma principal dos maoistas durante sua Guerra Popular, apareceram em lugares públicos e causaram um clima de medo.

A comunidade internacional considerou necessárias as eleições. O ex-presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1980) esteve presente como parte de uma delegação de observadores que incluiu europeus e indianos. Shoko Noda, diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Nepal, pontuou que era crucial que as eleições acontecessem e que o processo político se normalizasse para que os esforços pudessem centrar-se na economia e no emprego.

“Desde a década de 1990, o Nepal realizou importantes progressos no índice de desenvolvimento humano”, afirmou Noda. Porém, acrescentou, “histórica e espacialmente, os grupos marginalizados, como os dalits, as mulheres, as nacionalidades indígenas e os que vivem em lugares geograficamente remotos seguem na parte inferior da pirâmide. Assim, o Nepal tem uma elevada desigualdade na renda e no consumo”.

A diretora do Pnud espera que o processo de desenvolvimento seja acelerado tão logo a política esteja estabilizada, o que gerará mais oportunidades, inclusive para os mais pobres. “Uma infraestrutura melhor, junto com uma melhoria no contexto empresarial, impulsionaria o espírito que pode gerar postos de trabalho”, afirmou Noda. Cinco ex-primeiros-ministros de todos os partidos, incluindo Dahal, se comprometeram a impulsionar a agenda do desenvolvimento e colaborar pelo bem comum. Entretanto, os nepaleses continuam céticos. Envolverde/IPS

Sudeshna Sarkar

Sudeshna Sarkar is a Kathmandu-based journalist covering Mt. Everest, politics, and issues related to women, crime and religion in Nepal, and partially India and Bhutan. She works for Indo-Asian News Service and The Times of India and also contributes to Ecumenical News International.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *