Em Moçambique, as chamadas "Pessoas da Alemanha" estão à espera dos seus salários há 22 anos

MAPUTO, 23/08/2012 – Todas as quartas-feiras às 11 da manhã José Alfredo Cossa desfralda a bandeira da Alemanha de Leste e lidera uma marcha com perto de 150 homens e mulheres pelas principais ruas de Maputo, a capital moçambicana. Numa luta pela justiça que remonta a mais de 20 anos, este grupo, conhecido como "Magermans", representa os 16.000 a 20.000 Moçambicanos que foram enviados para a antiga Alemanha de Leste no início dos anos 80 para trabalharem e servirem o seu país.

"Há 22 anos que fazemos manifestações para recebermos o salário que ganhámos na Alemanha. Continuamos a fazê-lo porque temos a certeza que um dia vão pagar," explicou Cossa. "Na Europa aprendemos a fazer manifestações pacíficas. Onde é que em África é que se faz uma manifestação como esta?" perguntou. "Magermans" é um nome local para os que vieram da Alemanha.

Os transeuntes viram-se para olhar enquanto passa a procissão. Soprando apitos, batendo tambores, cantando e dançando, o ambiente carnavalesco desta manifestção contradiz a luta contínua quea anima.

Quando Moçambique conquistou a independência em 1975, centenas de milhares de trabalhadores portugueses qualificados deixaram o país quase de um dia para o outro, com um impacto devastador na economia do país. Em 1979 o novo governo de esquerda do Presidente Samora Machel firmou um acordo com a Alemanha de Leste socialista no sentido de enviar homens e algumas mulheres moçambicanas para aquele país europeu para estudarem, receberem formação como aprendizes e trabalharem nas empresas estatais da antiga República Democrática Alemã, ou RDA, as chamadas Volkseigener Betriebe, com o objectivo de um dia regressarem ao seu país com novas técnicas para ajudar a reconstrução.

"Fui para a Alemanha de Leste para aprender carpintaria quando tinha 21 anos e na altura deram-me um contrato de quatro anos. Os outros foram contratados para cortarem árvores e trabalharem em matadouros ou na indústria do carvão," disse Cossa.

Lázaro Magalhães a Escova é outro "Magerman" que agora trabalha como administrador na ICMA, o Instituto Cultural Moçambique-Alemanha em Maputo. "Havia muitas razões para os homens quererem partir para a Alemanha de Leste. Vinham de províncias diferentes para escapar à guerra, à fome ou ao recrutamento forçado nas forças armadas. Quanto a mim, queria ver a Europa. Antes de partir recebi dois dias de formação inicial antes de entrar no avião."

Os trabalhadores receberam 40 por cento dos seus salários em numerário e os outros 60 por cento eram enviados para Moçambique. "Disseram-nos que, quando regressássemos, haveria uma conta bancária à nossa espera," contou Magalhães.

Trabalharam até ao final dessa década, altura em que as tensões na Alemanha de Leste aumentaram, culminando na queda do Muro de Berlim em 1989. "Ficámos contentes quando as barreiras foram eliminadas mas tinhamos receio dos cabeças rapadas e dos neo-nazis que não gostavam de estrangeiros. Estávamos preocupados com o que poderia acontecer se deixássemos de ter protecção governamental," disse Magalhães.

"Depois da unificação ouvimos dizer que as fábricas estatais iriam ser encerradas e que o governo moçambicano nos dava uma escolha. "Ou vocês ficam por conta própria ou pagamos o vosso bilhete de regresso."

Muitos decidiram regressar mas a decisão não foi fácil. "Algumas das mulheres e filhos vieram até ao aeroporto. As mulheres choravam pediam aos maridos que não partissem," recordou Magalhães.

Apesar disso, aqueles que regressaram pensavam que era o início de um novo e próspero futuro. "Tinhamos muitas expectativas. Eu planeava estabelecer a minha própria empresa de carpintaria a fazer janelas, portas e mobília antes de trazer a minha namorada da Alemanha. Mas, quando chegámos, o dinheiro tinha desaparecido. O governo gastara tudo e as minhas esperanças esfumaram-se," afirmou Cossa.

Embora o governo alemão tenha mantido registos demonstrando que o dinheiro foi enviado, parece que as contas individuais nunca foram abertas pelo governo em Moçambique.

Os "Magermans" também tiveram dificuldade em adaptar-se à vida no seu país.

"Os nossos vizinhos vestiam trapos e nós chegámos vestidos como senhores. Não havia televisões nem vídeos em Moçambique. Fomos nós que os trouxemos," disse Cossa.

Muitos também verificaram que as suas competências de trabalho recentemente adquiridas não podiam ser usadas. "Vários homens tinham trabalhado em fábricas de montagem de automóveis para a Trabant, mas quando chegaram a Moçambique verificaram que mal se viam automóveis e não havia indústria automóvel," explicou Magalhães. Com os seus "modos europeus", sobressaiam dos demais e foi nessa altura que ficaram conhecidos localmente como "Magermans".

Alguns destes trabalhadores encontraram empregos, havendo pelo menos um "Magerman" que abriu uma série de padarias bem sucedidas em várias partes de Maputo. Porém, à medida que passavam os meses, a maioria não conseguiu arranjar trabalho ou dinheiro e, um ano depois de regressarem, começaram a fazer manifestações de protesto à porta do Ministério do Trabalho.

"Estávamos só a pedir aquilo que, por direito, nos pertencia mas o governo enviou polícias armados para lidar connosco," lembrou Magalhães. Os protestos continuaram até hoje, sendo o problema empurrado de um Ministério para outro sem qualquer resolução.

Em 2002 foram feitos inquéritos oficiais junto das autoridades alemãs para verificar se a questão podia ser resolvida. Um documento em posse dos "Magermans", divulgado pelo Ministério Federal das Finanças da Alemanha, indica que a antiga RDA pagou 74.4 milhões de doláres em salários e 18.6 milhões de doláres para a segurança social, montantes estes que equivalem aproximadamente a perto de 5.000 doláres por cada trabalhador. O governo moçambicano concordou que devia um montante mais pequeno e começou a fazer pagamentos de 10.000 a 15.000 meticais (entre 370 a 550 doláres) a alguns dos trabalhadores.

Ao longo dos anos, muitos dos homens perderam o contacto com as famílias que deixaram para trás. Agora, com quase trinta anos, alguns filhos têm visitado Moçambique à procura dos seus pais. O ICMA é um dos locais que contactam primeiro.

"Recebemos e-mails das famílias quase todos os dias. Uma rapariga chegou a Moçambique e encontrou o pai a viver numa palhota feita de tijolos de barro e folhas de palmeira. Ficou junto dele durante algum tempo mas acabou por levá-lo de volta para a Alemanha," disse Magalhães.

Cossa explicou que a próxima etapa dos "Magermans" era conseguir agendar uma reunião com a Primeira-Ministra, Luisa Diogo.

"Já fizemos um pedido formal nesse sentido mas ainda nada foi agendado. Pode ser que demore algum tempo antes de o conseguirmos, mas já estamos à espera há 22 anos. Que diferença faz se demorarmos mais alguns meses? Não vamos desistir enquanto tivermos força."

Louise Sherwood

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