Ambiente-Índia: De caçador ilegal a melhor amigo do tigre

Sunderbans, Índia, 26/10/2007 – “Cresci nesta selva”, disse Anil Krishna Mistry, que passou de caçador ilegal a defensor da vida selvagem na região dos Sanderbans, na Índia. “Como muitos outros, meu pai veio de onde hoje é Bangladesh para se dedicar à agricultura. Cortar a floresta e matar animais era comum e não víamos nada de errado nisso. Hoje ajudamos a prevenir que outros ajam assim”, afirmou. Mistry, de 40 anos, está na vanguarda do protecionismo da vida selvagem desde 1999. Vive nos Sunderbans, que se estendem através do sul de Bangladesh e do vizinho Estado indiano de Bengala Ocidental, no amplo delta formado pela confluência dos rios Ganges, Brahmaputra e Menga, que desembocam na baía de Bengala.

É um delta pantanoso de 26 mil quilômetros quadrados onde centenas de pequenas ilhas estão entrelaçadas por canais de água. Trata-se da maior área de mangues do mundo e é famosa por ser habitat natural do tigre de Bengala. Mistry foi um dos organizadores da campanha “Bagh Bachao” (Salvem os tigres) dentro da Semana Mundial da Vida Selvagem, de 1º a 7 deste mês. Na maioria os participantes foram escolares da região. Hiren Jotdar caminhou duas horas para chegar à escola no meio da manhã. “Sou membro do clube de ciências naturais”, disse orgulhoso.

O diretor, Sukumar Poira, afirma que sua escola foi a primeira a criar um clube de ciências naturais para transmitir às crianças a idéia da conservação em uma área ecologicamente delicada. Agora já existem 22, onde os alunos aprendem a proteger a natureza, o valor das plantas medicinais, o uso de biofertilizantes e a importância das campanhas “não ao plástico”. O “entusiasmo das pessoas para salvar os tigres é algo que jamais havia imaginado alguns anos atrás. A hostilidade em relação a eles era tal que os funcionários do Departamento Florestal não se atreviam a falar aos aldeões sobre a importância de protegê-los”, disse Neeraj Singhal, diretor da Reserva de Tigres de Sunderbans.

A parte dos Sunderbans em território indiano tem 9.630 quilômetros quadrados. Foi incluída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em sua Lista do Patrimônio Mundial em 1987, e em 1989 esse parque foi declarado como reserva de biosfera. Em 1973, o governo indiano iniciou um projeto para enfrentar o problema da decrescente população de tigres e os Sunderbans se converteram em parte importante dessa iniciativa. Mas a caça ilegal destes animais não parou: foram relatados 38 casos em 1999, 39 em 2000, 35 em 2001 e 47 em 2002.

Entretanto, nos Sunderbans – onde os tigres vivem nas proximidades de assentamentos humanos – não são registrados casos desde 1990. Segundo o censo de 2004, havia 271 tigres na área e aguarda-se os resultado do censo feito em 2006. Os conflitos entre os humanos e os animais têm uma longa história nos Sunderbans. Forçados a sobreviverem com este duro contexto, os tigres se adaptaram para beber água salobra e comer qualquer coisa disponível, inclusive caranguejos. Também pessoas: ataques a coletores de mel, lenhadores e pescadores ocorreram com freqüência. As lendas sobre os tigres e sua adoração como forma de evitar os ataques são algo comum entre os moradores, sejam hindus ou muçulmanos. Na medida em que aumentáramos assentamentos humanos, os conflitos se transformaram em confronto aberto. Mas as tarefas de persuasão do pessoal do escritório florestal detiveram a caça, a ponto de quando um tigre ter rondado uma aldeia em julho os moradores chamarem os guardas para que o salvassem. “Nenhum tigre foi caçado desde 1990”, afirma Pradeep Vyas, diretor da Reserva de Biosfera dos Sunderbans. “Este ano, mais de cem animais – javalis, cervos axis e outras espécies – foram resgatados com ajuda dos moradores. Se considerarmos que aqui as pessoas são, em geral, pobre e não-vegetariana, não é pouca coisa”, acrescentou. As campanhas de informação também levaram ao uso de dardos tranqüilizantes para capturar os tigres que ameaçavam alguma comunidade, soltos mais tarde.

Mistry é um dos encarregados desse trabalho. O projeto dos Sunderbans é considerado um bom exemplo de conservação. Um estudo do Instituto da Vida Selvagem da Índia qualificou a reserva como a “melhor manejada” do país. Uma rígida supervisão das atividades humanas contribui para os bons resultados. O mel é coletado em uma área demarcada, cortar madeira está totalmente proibido e a pesca é permitida em “zonas tampão”. Nos últimos três anos também foram registrados mensalmente os avistamentos de tigres, sobre os quais antes não havia informação na maioria dos casos.

Os responsáveis pelo projeto entenderam que deviam envolver os moradores para que houvesse êxito. Foram formados comitês nas aldeias. “As crianças que integram os clubes de ciências naturais dizem aos país para não matarem os cervos, porque os tigres não terão comida e atacarão as pessoas. Creio firmemente que são as crianças que transmitirão a idéia da conservação”, afirmou Belinda Wright, diretora-executiva da não-governamental Sociedade de Proteção da Vida Selvagem da Índia (WPSI).

Esta organização apóia as atividades da Sociedade de Conservação da Natureza e Vida Selvagem de Bali, da qual Mistry é o principal oficial no terreno. Desenvolve várias atividades, com ajudar as meninas com poucos recursos a continuarem os estudos e administrar uma biblioteca para estudantes pobres. Também dirige um complexo turístico com seis cabanas, que gera cerca de cem empregos diretos e indiretos para os moradores. Pintu Mirdha, que trabalha na cozinha, admite que antes também era caçador ilegal.

O lugar é popular entre os turistas e está lotado durante todo o ano, diz Shakti R. Banerjee, da WPSI, um ex-oficial do exército e um dos principais incentivadores do complexo turístico. “Uma tarde, sentado diante do rio, pensei: por que não envolver os que caçam devido à sua pobreza em atividades conservacionistas para dar-lhes uma forma alternativa de ganhar a vida?”, contou. (IPS/Envolverde)

* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).

Ranjita Biswas

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